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domingo, 24 de outubro de 2010

Entrevista a Tânia Spínola, jornalista da RTP-Madeira


“ (…) desde a Guerra do Golfo, em 1991, senti que não conseguia viver sem a Informação e não queria estar só no papel de quem recebe! O meu objectivo era estar do lado de quem transmite.”

Tânia Spínola, de trinta e dois anos, é jornalista da RTP-Madeira. É licenciada em Jornalismo pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e fala-nos, entre outras coisas, sobre o jornalismo actual e a sua imagem perante a sociedade.


Cristina Freitas - Desde que idade é que soube  que iria enveredar pelo jornalismo? Que influências teve na sua escolha?

Tânia Spínola - Desde cedo soube que queria seguir a carreira de jornalista. Se ia conseguir lá chegar, essa era outra história mas certo é que desde a Guerra do Golfo, em 1991, senti que não conseguia viver sem a Informação e não queria estar só no papel de quem recebe! O meu objectivo era estar do lado de quem transmite. Na altura, com 13 anos, deitava-me a ouvir "a guerra" e acordava a ouvir "a guerra". Mais do que jornais ou televisão, era através da rádio que eu acompanhava o acontecimento que sabia que ia transformar o mundo e que acabou por definir o rumo da minha vida. A partir daí direccionei os meus esforços e os meus estudos para a comunicação social e, hoje, passados 11 anos de profissão, sou a prova que, quando se quer mesmo uma coisa...consegue-se.


C.F -       Quem são os seus jornalistas de referência?

T.S - Não sou capaz de seleccionar um ou outro jornalista. São vários e encontram-se nos diversos órgãos de comunicação social, quer nacionais quer estrangeiros. Até aqui, na Madeira, onde trabalho desde sempre, tenho colegas que considero referências e com os quais aprendi bastante, mais do que nos quatro anos de ensino universitário. Como em tudo na vida, os bons exemplos aproveitam-se sempre.


C.F -       Quais as primeiras dificuldades que encontrou quando entrou no mercado de trabalho?

T.S - Como qualquer jovem estagiário, os jornalistas sentem os meus problemas de qualquer outro profissional inexperiente. Aprende-se muito na Universidade e não são de deixar de parte os ensinamentos, mas a verdade é que quando se chega ao mundo do trabalho, a realidade é bastante diferente. O tempo para elaborar uma reportagem foi talvez o maior atrapalho. Sobretudo em televisão, tudo tem que ser feito "para ontem", todos os segundos contam e depressa aprendi que "a boa peça é a que está no ar". De resto, tive sorte de ser acompanhada durante largos meses por profissionais experientes, com largos anos de profissão que me ensinaram quase tudo o que sei. Nem todos têm essa sorte. Muitas vezes há que passar por patamares menos aliciantes mas, é como digo, a persistência de quem quer muitos lá chegar, acaba por vencer. É preciso apenas, calma, não ter pressa de chegar, acreditar nas suas capacidades e não se deixar abater à primeira dificuldade, nem à segunda, nem sequer à terceira.... os obstáculos foram feitos para ser ultrapassados!!!


C.F -       É jornalista de um telejornal regional. No que diz respeito às agendas mediáticas regional e nacional, quais considera serem as principais diferenças entre estas?

T.S - Um órgão de comunicação é um órgão de comunicação, quer seja regional ou nacional. Em termos de agenda, e talvez por ser uma televisão pública, é quase obrigatório seguir as iniciativas partidárias. Nada diferente do que se passa no telejornal nacional do meu canal, a RTP. Um dos maiores problemas, a meu ver, de estarmos inseridos num meio pequeno, é que todas as instituições, associações ou organizações, sejam elas políticas, desportivas, sociais, culturais, acham-se no direito de ter o seu espaço no telejornal regional. Obviamente que a cobertura da agenda institucional retira tempo para fazer outro tipo de trabalhos que qualquer jornalista considera mais aliciante. No entanto, julgo que este não é um problema regional, é um problema da comunicação social em geral. Os temas que interessam ao país, interessam à Região. Não nos podemos esquecer que não vivemos isolados. Sobretudo, na era da globalização, é fundamental estarmos ligados ao mundo. O que por norma fazemos, até porque os madeirenses têm acesso gratuito aos canais generalistas nacionais, é "regionalizar" os assuntos. Mas não passamos à margem dos temas que marcam a agenda diária nacional.



C.F -       Actualmente, como encara a conotação negativa aplicada ao jornalismo e à sua credibilidade perante o público?

T.S - Acho que os jornalistas sempre foram visto como "a ovelha negra", o ser que está ali para estragar a vida a alguém. Obviamente que não vejo a minha profissão desta forma e tenho pena que os cidadãos, ou grande parte deles, tenham esta visão deturpada em relação a esta profissão. Infelizmente, tenho que admitir que essa má imagem é fruto da forma menos profissional como alguns colegas actuam. Os jornalistas têm um papel demasiado importante na sociedade e não devem agir de forma leviana. O Código Deontológico existe para ser respeitado e honrado. Se todos nós seguíssemos o Código, a profissão seria muito mais dignificada. Cabe a cada um de nós esse papel.


C.F -       Considera que o jornalista é o verdadeiro “cão de guarda”, no sentido do “gatekeeping”?

T.S - O jornalista hoje é mais "cão de fila", no sentido que muitas vezes não faz mais do que ser porta-microfone. Seja porque tem uma agenda demasiado carregada e o tempo não estica, seja por preguiça intelectual, aquilo que se vê hoje é que a maior parte dos jornalistas limita-se a transcrever o que ouve, às vezes nem relata o que vê.




C.F -       O jornalismo é, actualmente, visto como um quarto poder. Concorda com essa função supervisora dos poderes executivo, judicial e legislativo?

T.S - Acredito no jornalismo como um Quarto Poder mas julgo que quando se aplica essa definição não se refere ao carácter supervisor dos outros poderes. Quarto poder porque, de facto e não raras vezes, os meios de comunicação social têm mais força que todos os outros poderes. O jornalismo e os jornalistas são capazes de destruir por completo a vida de uma ou mais pessoas. Vejamos por exemplo o caso de um cidadão condenado pelo tribunal a cumprir uma pena de prisão: se o caso não for mediático, esse homem ou mulher cumpre pena, sai e têm hipóteses de começar de novo. Se o caso chegar à comunicação social e à opinião pública, o mesmo cidadão é condenado antes de o ser efectivamente e até pode ser considerado inocente mas a sua vida nunca mais será a mesma. O poder dos jornalistas é enorme e por isso, o dever de informar deve ser exercido com cautela, coisa que muitas vezes não é. Pessoalmente, gostava que esse Quarto Poder fosse realmente o de fiscalizar os actos do Governo, da Justiça e do Parlamento.

C.F -       É um dado adquirido que as tecnologias vieram permitir que os meios de comunicação tenham uma acção mais rápida e eficaz perante o ambiente volátil e efémero da informação. Porém há quem lhes aponte alguns aspectos negativos. Qual a sua opinião em relação ao alucinante ritmo de troca de informação a que assistimos actualmente? Acha que o jornalismo perderá a sua importância perante o crescimento exponencial dos self-media ?


T.S - É de facto alucinante o ritmo a que circula a informação. Chega a ser assustador. Se pensarmos que há uns anos, nem telefones havia, então ainda nos causa mais arrepios. Claro que os aspectos positivos deste corre-corre da notícia são maiores que os seus contratempos mas não devemos nem podemos deixar de pensar no que tem de mau. Com a massificação da utilização da internet e, sobretudo com as redes sociais e os blogues, qualquer um se acha no direito de dizer o que quer, sobre quem quer. A Democracia assim o permite e, até hoje, continua a faltar legislação específica sobre o assunto. Enquanto assim for, qualquer um de nós, pode ser simultaneamante autor e intérprete da notícia. E, infelizmente, uma mentira, transmitida muitas vezes, acaba por tornar-se verdade aos olhos da sociedade. Ninguém está imune a esta nova realidade. Mais uma vez, seria bom que imperasse o bom senso mas todos sabemos que este é um desejo utópico. No entanto, não creio que o jornalismo esteja em risco. A comunicação social tem apenas que adpatar-se aos novos tempos e, em Portugal, isso está a acontecer a algum tempo e bem. Já são raros os jornais sem edição online e o mesmo acontece com as rádios e as televisões. Todos têm emissões em directo ou quase em tempo real, permitem que os cibernautas assistam aos programas preferidos através da internet quando quiserem e onde quiserem. Todos os órgãos de informação têm espaços de participação do público, e julgo que esse vai ser o caminho para o jornalismo continuar vivo.


C.F -       Que conselho dá a estudantes e a jovens que vêm o seu futuro também na área do jornalismo?

T.S - Conselhos são difíceis dar e poucas vezes seguidos por quem os recebe. Desejo apenas a todos os que se iniciam nesta profissão as maiores felicidades e a capacidade de saber avaliar os assuntos por cima. É importante não se deixar levar na onda, ouvir os mais velhos, retirando daí todos os ensimanentos que puderem mas não se esqueçam que também eles falham. Sigam os vossos instintos e não escrevam uma linha que seja se não estiverem 100% seguros da veracidade dessa informação. É com essa clarividência, com o bom senso, com humildade e com um cumprimento escrupuloso das regras do Código Deontológico que podem mostrar que o jornalismo não é o mau da fita e dão o vosso contributo para a dignificação da profissão mais aliciante e motivadora do mundo. E estão proibidos de desistir perante as adversidades e as portas que se vão fechar. Se uma fechar, outra vai abrir-se mais ou cedo ou mais tarde.






Cristina Freitas










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